*Por Rosa Bernhoeft
No Brasil, um CEO chega a ter uma remuneração até 663 vezes maior que a média paga aos colaboradores da respectiva empresa, de acordo com os dados divulgados em setembro pelo jornal Valor Econômico. Essa constatação mostra uma realidade bastante impactante da desigualdade salarial das empresas brasileiras. E nos levanta um importante questionamento: qual é a importância desses CEOs para os negócios e para a sociedade a ponto de serem remunerados com valores tão “astronômicos”?
Vamos refletir sobre o papel de um líder trazendo como exemplo a figura do presidente de uma nação, o “CEO” de uma sociedade, que é aquele que tem o poder nas mãos de induzir e decidir sobre o destino de um país. Singapura é um ótimo exemplo. O país, hoje, é o 4º mais rico do mundo, mas, há cerca de 50 anos, vivia um cenário de pobreza terrível.
Essa conquista é resultado de um grande projeto de reestruturação liderado por Lee Kuan Yew, que ocupou o cargo de primeiro-ministro por mais de 30 anos. Desde o final dos anos 60, foi implementada uma série de programas em diversos setores, como educação, saúde, indústria e tecnologia, dentre outros. E com essa mesma capacidade de reerguer uma nação, um líder também tem de destruí-la. É o caso de Camboja, que foi assolada sob o governo de Pol Pot nos anos 70, responsável por um genocído de cerca de 1,5 milhões de pessoas.
Ou seja, para o bem ou para o mal, todo líder tem essa capacidade de transformação. E essa capacidade depende de uma natureza própria que o move para uma causa maior que ele. Tudo vai depender de quem é esse profissional, o que acredita, seu grau de compromisso com o cidadão e com a humanidade. Precisamos lembrar que, por trás de um CEO, existe um homem ou uma mulher cuja qualidade do desempenho do seu papel, assim como a sua capacidade de inovação e de transformação, tem muito da influência da natureza humana desse indivíduo.
A respeito dos CEOs que chegam a receber R$11 milhões por ano, que permanecem por cerca de três a quatros no cargo e depois são contratados por outras empresas, a quem satisfaz esse valor além do próprio? Estão guiando causas que são superiores a eles, inclusive à própria empresa, ou apenas aos seus próprios projetos?
Diante todos os impactos causados pela pandemia, hoje está muito mais claro para o mercado que as organizações que não priorizarem o fator social, o cumprimento de suas responsabilidades com o ser humano, com o meio ambiente e com a qualidade de governança, estão fadadas a perder importância e até desaparecem.
Ao CEO, está reservada a sua capacidade de geração de valor e confiança da empresa. Por isso, o mercado “justifica” seus altos valores. Mas, para a preservação de seus valores culturais, as empresas precisam de um representante de atuação ativa e enérgica que sustentem sua cultura. E isso hoje é um desafio muito grande, devido ao enfraquecimento dos vínculos das pessoas com as empresas, tanto pelos novos modelos de contratos de trabalho, como temporários ou por projetos, quanto devido ao próprio distanciamento social imposto neste momento.
O que é um CEO de fato?
A figura dos líderes, especial do CEO, passa por uma representatividade porque ele é quem vai dar o tom, atendendo a um conjunto de resultados dentro de um prazo determinado e, depois de cumpridos, não precisam ter mais compromisso com a empresa. Como garantir o processo de sucessão nesse cenário, algo tão fundamental para a causa de um negócio, mantendo a essência da empresa?
Esse é um desafio, em especial, às empresas de capital aberto, bastante influenciadas pela necessidade de foco em suas movimentações financeiras. Obviamente, a preocupação com a saúde financeira não é um erro, ao contrário. Mas, precisamos lembrar que direcionar-se somente no mais alto valor possível de resultado não é, necessariamente, sinônimo de sucesso garantido.
Ainda que em 2020 esteja ocorrendo um “boom” de empresas no Brasil solicitando Oferta Inicial de Ações (IPO) — de janeiro a 2 de setembro, 12 empresas fizeram ofertas iniciais, como Estapar, Pague Menos e Locaweb — o movimento até então era de redução desse modelo de negócio desde 2008, muito semelhante ao fenômeno mundial de empresas fechando seus capitais. Casos como da Uber, Oi e WeWork são alguns exemplos notórios de empresas que abriram capitais e que não atenderam ao lucro estimado. Manter o capital aberto demanda um alto custo e exige um rápido retorno. Determinados CEOs são postos para essa empreitada, mas com pouca conexão com a cultura da empresa, o que implica nessa dificuldade de sucessão dos negócios.
O papel de um CEO, como um líder de fato, é ser a representação do que há de mais sublime e melhor dentro de uma organização. É o seu espírito e personificação de sua causa. Uma empresa precisa ter lucro, e é possível se compatibilizar com o modelo de fundo de capital. Mas seu valor de negócio deve ir além, demonstrado por meio de processos de desenvolvimento e geração de riqueza para dentro e fora da empresa, liderados por profissionais que estampam esse objetivo.
Podemos destacar empresas que se engajam em suas causas e que são perfeitamente representadas nas figuras de suas lideranças, como o Boticário, a Natura e a Magazine Luiza — esta última, em destaque pela incrível trajetória de sua presidente, Luiza Helena Trajano, e suas recentes mobilizações. Somente 2020, teve forte presença na mídia ao aderir o movimento #NãoDemita, durante a pandemia, e, agora, com o lançamento de um programa de contratação exclusiva de pessoas negras. Isso é um impacto imenso na sociedade que transcende o significado de lucro.
Como preparar essas lideranças? Esse é desafio. As novas lideranças têm sido bastante treinadas para se tornarem pragmáticas e muito mais focadas em suas próprias carreiras. E se precisamos de empresas cada vez mais engajadas com seus compromissos sociais, é necessário desenvolver os profissionais que representarão essa causa, devendo ser mais empáticos e hábeis para despertarem essa inspiração e capacidade de mobilização na sociedade.