DESESPERANÇA – UM CHAMADO PARA A REALIDADE

Foto de Pascal Claivaz no Pexels

Começamos o nosso 2022 com as nossas tradicionais preces evocando esperança. Como desejamos um ano melhor, uma vida melhor, um mundo melhor. Mas, do que adianta somente encher nossos corações de esperança perante a dolorosa realidade que se mostra neste que é apenas o primeiro trimestre do ano? Será que não precisamos dar maior vazão ao sentimento de desesperança?

Uma nova variante do coronavírus que nos lembrou o quanto ainda falta para o fim da pandemia, as enchentes nos estados de Minas Gerais e Bahia e o trágico deslizamento em Petrópolis (RJ) — eventos climáticos extremos relacionados ao aquecimento global — ou ainda a recente guerra entre a Rússia e a Ucrânia são, talvez, somente a ponta do iceberg de um mundo que clama por transformações reais, os quais não chegam por meio apenas da positividade, mas sim, pelo agir.

O assunto desesperança me tocou, especificamente, após ler o artigo “A desesperança”, de Nizan Guanaes, publicado no Brazil Journal em 29 de dezembro de 2021. Nele, o autor faz uma abordagem muito importante sobre essa falácia dos discursos otimistas, apontando como a esperança “nos leva a terceirizar soluções que o mundo precisa urgentemente”, enquanto que a desesperança é o que nos deixa indignados. É o que nos faz “ter um propósito verdadeiro, abraçar uma causa com paixão, atazanar um parlamento, sair às ruas”. É o que nos mobiliza para a ação.

Apenas cruzar os dedos e pensar positivo não nos tira do lugar. E por que não tomamos uma ação concreta? O que é necessário para nos arriscarmos em um recomeço? Como encontrar novas possibilidades que ative todas as minhas capacidades?

Eu abordei recentemente algumas questões relacionadas a esse tema no meu artigo “Temos uma ponte para a felicidade?” e que também recomendo a leitura como adendo para a pauta que trago agora.

Entre os pontos que levantei estão a importância de sonharmos pisando em terra firme e também do que considero ser a chave para a evolução humana, que é essa vontade de descobrir, buscar respostas, de nos apropriarmos da curiosidade e nos desviarmos do conformismo.

Então, partindo do pressuposto de que estamos olhando francamente para a realidade ao nosso redor e sentindo esse desconforto, onde estamos nessa história? Por onde começar a agir? Aqui trago alguns aspectos que podem auxiliar nessa reflexão:

Olhando para a insatisfação

É aqui que refletimos sobre o nosso desconforto. O que quero fazer com isso? Nós decidimos sobre esse desconforto e queremos realizar algo, queremos sair dele. Vivemos situações que nos geram angústias, são altas fontes de insatisfação.

Nos angustiamos diante situações, como o atraso da vacinação infantil contra covid-19, cidades desmoronando ou ainda ver pessoas cavando terra para achar familiares soterrados pelos deslizamentos. E com tudo isso, temos a dolorosa constatação de que pouco fizemos por essas pessoas.

A verdade é que dá trabalho sair do campo da insatisfação e realizar uma ação efetiva perante aquilo que nos insatisfaz. É realmente dizer para si mesmo: “quero sair da minha insatisfação quanto a maneira com a qual estou me relacionando com a realidade”.

É o como lidar com a realidade que está nos mostrando e nos chamando. Uma realidade que nos deixa incomodados com as nossas mesas fartas enquanto outras pessoas estão nos semáforos tentando levantar algum dinheiro. Uma realidade que, por mais que muitos insistem em tratá-la como algo distante, ela nos pertence. E nos angustiamos pelo fato de não estarmos agindo contra ela, tampouco convidando quem está ao meu redor para também agir.

Somente quem veda os próprios olhos não tem consciência sobre a própria responsabilidade para a construção dessa realidade. É uma realidade doentia, que permite que apenas uma parcela da população tenha acesso a uma vida digna e saudável.

Frustração

Partindo do incômodo do que estamos vendo e sentindo, vem a frustração. É a constatação de que, em algum momento, depositei meus votos e minha fé em algo ou alguém e as nossas expectativas não foram cumpridas. Foi aquele voto em um candidato que prometeu melhorias na área de educação e isso não foi cumprido. Ou que prometeu garantir a saúde de todas e, por mim, sabotou declaradamente o acesso a recursos mínimos. Ou ainda a frustração com nós mesmos, por um objetivo não cumprido pela falta de compromisso consigo.

A terrível desmotivação

Essa é uma condição bastante delicada, pois, para alguns, enquanto se trata de um estado mental de passividade, de desmotivação causadas por uma série de fatores emocionais, para milhões de outras pessoas, é puramente falta de condições mínimas de dignidade e sobrevivência. Não há discurso de otimismo e esperança que preencha a fome de comida para tantas pessoas que estão na miséria. É tirano cobrar qualquer motivação a um ser humano que não possui o mínimo de condições de subsistência.

Nosso papel diante do outro

Nos importar com quem está passando fome e providenciar um prato de comida é legítimo e, é claro, uma ação mínima. No entanto, o que significa para nós mesmos a constatação de que essa pessoa que ajudamos no almoço, provavelmente, não conseguirá jantar?

Outro dia, durante o período de celebrações de fim ano, presenciei uma cena mais que angustiante, que foi de pessoas revirando lixos para comer as sobras das comidas das festas. É uma cena terrível e que, imediatamente, pode nos mobilizar para oferecer uma refeição saudável e segura a essas pessoas. Mas, e quanto ao fato de que fomos nós que jogamos essa comida no lixo, o que isso significa?

Não adianta apenas olharmos para esse ser humano com sentimentos de lamentação sem analisar a nossa participação nessa história. Essas pessoas negligenciadas e nós, geradores de lixo, temos muito em comum. Enquanto eles são tratados como “menos humanos”, menos dignos de acessos, nós perdemos, e muito, o nosso senso de humanidade ao acatar e aceitar um modo de vida que gera tanta miséria e exclusão.


Estar saudável

Diante das angústias e frustrações, e a constatação de que precisamos agir, chegamos a conclusão de que, mais do que a felicidade, o que eu, você e a pessoa que revira lixo para comer estamos buscando é garantir a nossa própria saúde. E essa saúde é no sentido mais global possível.

É obter a saúde do corpo, da mente e do espírito; saúde social e qualidade em nossos relacionamentos interpessoais; saúde das nossas condições éticas e morais como cidadãos. E agora, mais do que nunca, precisamos também reforçar a importância da nossa saúde planetária, conceito trazido por recentes pesquisas que relacionam as perturbações causadas pelo ser humano nos ecossistemas naturais da Terra os quais, por sua vez, impactam diretamente em nossa saúde. Novamente, podemos trazer como exemplos da falta de cuidado com essa saúde a própria pandemia e os eventos climáticos extremos. 

Buscar a saúde no sentido global é nossa maior manifestação de valor à vida. E proteger as nossas vidas e a do outro envolve a ética das nossas relações. Não é ético mentir para uma população, não garantir o acesso a condições mínimas de saúde, de moradia, de oportunidades, de educação. Não é ético agredir o meio ambiente e, direta e indiretamente, interromper milhares de vidas.

Rosa Bernhoeft

Hora de agir

Felizmente, a preocupação em agir de fato perante as condições sociais em que estamos inseridos têm mobilizado um número expoente de pessoas no Brasil. Segundo o Ranking Global de Solidariedade (World Giving Index), uma iniciativa da Charities Aid Foundation e que realiza, desde 2009, uma pesquisa global sobre índices de ações solidárias, o Brasil ficou em 54º lugar em 2020 e já subiu 14 posições com relação aos dados de 2018.

É uma reação importante e que precisa ser estimulada, trabalhada, debatida nas mais diversas organizações. Uma manifestação de uma parte da humanidade que entendeu que somente ter esperança não irá alimentar o enorme e inacreditável número de pessoas que não possuem o que comer. Uma demonstração de que não há dignidade nenhuma em viver uma vida alienada aos chamados da realidade, em seguir falsas fórmulas de felicidade vendidas no Instagram, enquanto lavamos as nossas mãos depois de jogar nossos restos de alimentos no lixo. Viva a desesperança e a nossa vontade verdadeira de gerar transformações!

Por Rosa Bernhoeft

Especialista em liderança e gestão de altos executivos, sócia-fundadora da Alba Consultoria, criadora de conceitos e metodologias para gestão de carreira, treinamento e desenvolvimento.

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