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Ser feliz, hoje, é um imperativo daqueles que se consideram merecedores do sucesso e de todas as gratificações decorrentes para uma “vida feliz”.
Selecionamos e cuidamos de não nos expor a emoções desprazerosas, a falar sobre situações ou circunstâncias, mesmo reais, que se apresentam de forma feia, ruim ou nojenta. Evitamos a dor própria de quem está vivendo ou viveu tragédias, sofrimento ou dilemas.
Queremos ser felizes, mas não estamos dispostos a pagar os custos de decisões que nos colocam no limite, que nos comprometem com quem está junto, que nos conectam com a nossa vulnerabilidade ou com riscos e perdas.
Construímos em nossa mente, e queremos que assim aconteça, realidades lisas por onde tudo desliza, sem oposição, sem obstáculos, sem essência, sem acolhimento. São realidades obrigadas a brilhar, a criar conforto, a dar soluções rápidas, ágeis e pré-construídas, que nos distanciam da nossa essência, das nossas mazelas e belezas.
Como pessoas desesperadas, queremos caminhos e orientações para atingir a felicidade como condição suprema de nós mesmos. Assim, encontramos fórmulas, mantras, imagens, palavras, recomendações etc. No entanto, por essas condições não corresponderem às reais necessidades, sentimentos, desejos e ideais, nos deixam a sensação de vazio e de distância cada vez maior da liberdade a qual a felicidade promete.
Também nos apoiamos na tecnologia, nos aplicativos e nos sistemas que facilitam o manejo de pessoas, com a capacidade de induzir e conduzir comportamentos de fora para dentro. Essa interação gera sensações momentâneas que não são conectadas com as emoções, diferentemente do mundo real, onde a perda não tem um botão para “reiniciar”.
No mundo real, é necessário lidar com essa perda. Quando tiramos um aparelho de celular das mãos de uma criança, por percebermos que já se gastaram vastas horas em joguinhos muitas vezes baseados em morte e destruição, ou vídeos mostrando uma felicidade fútil e fantasiosa, nos deparamos com uma criança em total desconexão com o mundo real.
Essa criança, provavelmente, olhará para a pessoa que lhe tirou o aparelho e perguntará “o que eu faço agora?” Pois o envolvimento com o aparelho é tão voraz e constante que a relação com o mundo real e com os objetos que nele habitam simplesmente deixam de existir. Isso não é exclusividade das crianças, muitos adolescentes e adultos se veem em um dilema ao se confrontar com o mundo real, pois a maior parte de seus tempos é tomada pelas interações virtuais.
Ao nos confrontarmos com uma desconsideração, um desconhecimento, um desleixo ou uma concessão exagerada em relação aos cuidados que precisamos ter com as coisas importantes de nossa vida, caímos na realidade e vivemos a nossa perda de valor.
A tristeza é feia, baixa a nossa energia, nos faz chorar e duvidar, e nos desafia a olhar para o mundo real, sem desculpas. Mas ela também nos oportuniza a avaliar a nossa força de recuperação.
A tristeza exige o luto, o mergulho no entendimento de nós mesmos, no reconhecimento da nossa natureza, da força e vulnerabilidades, da aceitação do acolhimento e proteção e ajuda dos outros. E precisamos aceitar essa fase de dor.
Rosa Bernhoeft
Podemos pensar que a tristeza aparece somente em momentos trágicos ou catástrofes por estar associada à ideia de vida e morte.
Porém, ela também surge em situações de oportunidade que nos exigem desapegar para poder crescer. Ela serve para estabelecer prioridades reter o que realmente importa, consertar o essencial e sustentar o que é fundamental.
Há a crença de que felicidade está contida e expressa nas emoções prazerosas, como alegria e afeto, e que é necessário evitar a tristeza, o medo ou a raiva, pois estes representam convites ao sofrimento e à dor ou à incapacidade e, portanto, retiram a felicidade.
No entanto, a nossa maturidade vai depender da maneira como lidamos com as emoções e os significados que elas criam para as nossas experiências e a nossa visão de vida.
Vamos abordar a tristeza como alavanca da felicidade
O detonador da tristeza é a perda de algo significativo em nossas vidas. Dessa forma, nos obriga a confrontar com a crueldade e a dor provocada por essa perda, bem como obter consciência sobre o porquê perdemos algo e quais cuidados deixamos de ter para que isso ocorresse.
Ela nos propõe recomeços, emergir da frustração e nos reequilibrar para continuar a viver e nos conectar às outras emoções de forma profunda e autêntica.
Não podemos confundi-la com a depressão, a mágoa, a melancolia, pois sabemos que, seja qual for a emoção, para ser autêntica e benéfica para nossa saúde física, mental e emocional, precisa atender alguns requisitos, como ter a intensidade e a duração proporcional ao fato que está sendo vivido naquele momento, ao expressarmos nossas emoções. Fazê-lo de forma controlada ou exagerada nos impede de nos conectarmos com a emoção, e de dividi-la com o outro. Essa falta de conexão com o sentimento pode levar a uma banalização dos fatos ou a uma expressão equivocada de emoções “fakes”.
A raiva, por exemplo, tem como um detonador inicial um obstáculo que atinge diretamente nossas defesas e limites. Ao enfrentarmos esses obstáculos de forma autêntica, trazemos para nós um sentimento de motivação e liberdade.
Em outras palavras, a felicidade não pode ser alcançada se o indivíduo não se permitir sentir uma emoção que é considerada ruim. É apenas vivendo as fases desta emoção ruim que esse indivíduo terá a oportunidade real de lidar com esses sentimentos e se permitir o contemplar a felicidade.
Podemos entender a felicidade como estado e não como fim, como merecimento e não como privilégio, como um direito, individual e coletivo àquilo que é importante e vital.
Aqui, deixo para você a oportunidade de uma reflexão sobre o samba, ritmo considerado patrimônio dos brasileiros, que costuma falar da tristeza com ritmo alegre e contagiante, fluindo entre seus versos toda a relação em que as emoções nos convidam.
“… Porque o samba é a tristeza que balança;
E a tristeza tem sempre uma esperança;
A tristeza tem sempre uma esperança;
De um dia não ser mais triste não…”;
Vinicius de Moraes
Por Rosa Bernhoeft
Especialista em liderança e gestão de altos executivos, sócia-fundadora da Alba Consultoria, criadora de conceitos e metodologias para gestão de carreira, treinamento e desenvolvimento.